15 junho 2008

Carta à um vizinho - 31/12/07


Caro vizinho,

Nós fomos seus vizinhos por uns dias na semana do Natal. Nossa idéia era passar uma semana de sol brilhante e alegria na praia, não tínhamos idéia do que se sucederia.

Foi na manhã do ensolarado dia de Natal 25/12/2007, após meu filho de 7 anos ter ganhado seu tão esperado presente do Papai Noel. Ouvímos gritos de cachorro e a voz de um homem ralhando em sua casa. Imediatamente pensamos no nosso pequeno Tobi, um yorkshire de 3 anos alegre que não saia de nossos pés. Mas naquele dia ele saiu.

Andamos eu e meu filho pela rua chamando por ele, e procurando sem grande sucesso, quando meu filho olhando entre a cerca e as árvores de uma casa ao lado da sua, com a voz embargada e em desespero, gritou: Alí mamãe, um cachorro pegou o Tobinho, ele tem o Tobi na boca...Ajuda! Corrí na sua direção, pulei a cerca vorazmente e quando ví a cena, meu coração disparou. Um cachorro amarelo de porte médio estava correndo com o Tobi, nosso cachorrinho, em sua boca, as patinhas e corpinho balançavam involuntários, sua cabecinha não mexia, fixada entre os dentes de seu predador. Pedí à meu filho chamar seus tios para ajudar, ralhei para que ele soltasse o Tobi, mas o cachorro corria de um lado para o outro com a presa em seus dentes. Até que pulou o muro de sua casa, e o Tobi caiu no chão. Atravessei o mato para buscá-lo e o cachorro voltou, pegou sua presa e novamente pulou o muro para sua casa, desta vez com nosso cachorrinho. Quando meu cunhado chegou avisei que já era tarde e quebrei em choro vendo meu filho à distância com olhos marejados, sua face em dor, e os braços estendidos pedindo consolo. Abracei meu filho, impotente, sem poder dar-lhe de volta seu cãozinho querido e ter de dar a terrível notícia de que o Tobi havia morrido. Ambos abraçados e chorando, andamos até à sua porta, na esperança de vê-lo, vizinho, e ter sua ajuda para recuperarmos o corpinho de nosso cão, da boca de seu cachorro.

Mas você não veio... apesar dos gritos de desconsolo e súplica de meu filho que pedia sua presença. Você preferiu se recolher. Sabíamos que você estava lá, e precisávamos naquele momento de sua compaixão. Com 3 cachorros em casa você deve saber oque é perder um, pior o único que tínhamos. Ou talvez você não saiba, e preferiu se esconder em sua indiferença escura e solitária.

Naquela manhã de Natal, onde relembramos o nascimento daquele que foi o homem mais solidário, e que através de seus exemplos procuramos lembrar do amor fraterno pelo menos uma vez no ano, nesse dia, onde você teve a oportunidade dada pelo universo de dar não um presente material à alguém que goste, pois isto é fácil, mas dar uma palavra de consolo à alguém que você não conhece. Você preferiu se omitir. Que pena vizinho. Seu gesto, sua palavra por mais simples que fosse, ajudaria meu filho a entender a fatalidade e não odiar o seu cão, e talvez o senhor pela sua omissão. O senhor teria contribuído para ensinar à uma criança que há esperança nos seres humanos que nem tudo deve ser tratado à ferro e fogo, que existe valor no perdão.

Passei o dia ouvindo as mesmas perguntas de meu filho: Por que existe a morte? Por que o Tobi morreu? Ele vai estar bem? Será que ele está feliz? Aquele cachorro é mau. Por que aquele homem tem um cachorro tão mau. Vou pegar um pau e bater naquele cachorro. Naquele dia, ele não quis brincar com seu presente de Natal, não quis ir à praia, não quis comer. Pensava somente no Tobi. Resolví não “ barrar” seu luto e vivemos intensamente a saudade falando sobre nosso cachorro e porque tudo aconteceu.

Sua omissão, vizinho, pode ter vindo de uma educação equivocada e um entorno desfavorável que o levou à acreditar na indiferença como melhor solução para o relacionamento humano. No entanto, seus atos ou a falta deles, tiveram um grande impacto no que eu acredito sobre a vida. Te conhecí um dia, há muito tempo atrás. E como músico e amante das melodias, não conseguí entender como a vida poder ter te embrutecido tanto.

Mas o bondoso espírito de Natal me trouxe um presente: Naquele mesmo dia e no seguinte, meu filho pegou por duas vezes um pedaço de papel e escreveu uma carta à seu cachorrinho, as quais enterrou em seu túmulo. Com toda sua dificuldade em escrever (esta é uma tarefa que ele não aprecia), ele enfeitou as letras, fez corações e beijos, repetiu a palavra “ falta” para poder expressar sua emoçaõ de amor, saudades e de desejo que o Tobi esteja bem, seja lá onde for. Depois me disse que se é para o bem do Tobi, ele vai perdoar o seu cachorro, mas que vai “demorar um pouquinho”.

Este foi o meu melhor presente de Natal. Se pudermos ajudar nossas crianças a expressarem suas emoções, viverem suas fantasias, perguntarem várias vezes a mesma coisa, testarem seus sentimentos, sem que precisemos à todo instante “ralhar” com eles, estaremos formando pessoas mais sensíveis, mais inteligentes e mais criativas, que poderão ver na dor do outro, sua própria dor, e talvez um dia, senhor vizinho, teremos um mundo de PAZ. O meu filho eu sei que está no caminho certo!

Feliz 2008 para o senhor!

Para o Sr. José Roberto Rocco, que nunca recebeu esta carta.

2 comentários:

Anônimo disse...

Navegando pela internet acabei caindo no teu blog, e infelizmente pude ler uma um fato muito triste que ocorreu com você. Triste não só pelo fato da tragédia que aconteceu com o seu cãozinho, mas triste pela omição e total falta de coragem e de senso humanitário do Sr. José Roberto Rocco. Primeiro pelo fato do mesmo possuir animais de estimação, ou podemos chamar neste caso, animais de diversão, e não ter se comovido e muito menos ter tomado alguma ação para evitar essa tragédia com um cãozinho tão lindinho.
Segundo pelo fato de ter se omitido através do silêncio e da falta de coragem de no mínimo ter conversado com você, eu sei que esta atitude não traria o pobre Tobi de volta mas pelo menos seria um ato digno de um homem e de compaixão com o ser humano.
Enfim, acho que não devemos perder nosso tempo e muito menos usar nossa energia para criticar esse ato e sim, como você colocou muito bem no seu texto, a lição de vida aprendida pelo seu filho, essa criança linda.
Espero e desejo tudo de bom na sua vida e na vida to seu filho, certamente você é uma pessoal muito especial e iluminada. Apesar de não te conhecer, mas pela comoção que senti ao ler o teu texto, saiba que estou enviando muita energia positiva para você e sua familia.
Beijos
GR

Cintia S. Lima disse...

GR,
Um amigo meu certa vez me disse que para ajudarmos as pessoas basta, às vezes, a intenção e avibração positiva de pensamento. Acredito que as palavras tb permeiam de energia o mundo. Suas palavras me fizeram bem. Obrigada! Te desejo tudo de bom, não preciso te conhecer para te desejar paz e muita saúde.